Concerto para piano nº 12 em Lá maior, K. 414

Wolfgang Amadeus MOZART

(1782)

Instrumentação: 2 oboés, fagote, 2 trompas, cordas.

 

Embora em vida sua música houvesse sido frequentemente considerada demasiado audaciosa e complexa, os obituários de Mozart mostram que à época de sua morte ele era tido como um artista sem rival. Já no final do século XVIII suas óperas dominavam os palcos europeus. A lenda do Requiem impulsionou-lhe a popularidade e sintetiza as imagens românticas que prevaleceram nos séculos XIX e XX: a eterna criança; o rebelde social; o libertino; o gênio incompreendido; a vítima indefesa de conspirações profissionais; o prodígio aparvalhado, alheio a tudo o que não fosse a própria música. A ideia da falta de conexão de Mozart com o mundo real impregnou a musicologia até o final do século XX.

 

Em 9 de maio de 1781 o compositor de 25 anos rompeu com o arcebispo de Salzburgo para instalar-se como artista independente em Viena, onde obteria enorme sucesso artístico e financeiro. O ápice de sua carreira de concertista ocorreu em 1784: nos quarenta dias da Quaresma, Mozart participou de vinte e três eventos na capital. A extravagância das últimas obras de Salzburgo deu lugar a texturas mais nítidas e transparentes, num estilo menos ornamental. Nos concertos para piano, em particular, a textura adquire relevância formal. O K. 414 abre a série dos dezesseis concertos vienenses para piano. A estreia dessas peças a partir de manuscritos recém-concluídos ou ainda inacabados, cujos toques finais eram concebidos durante as execuções, cercou-se de enorme excitação. Ao escrever apressadamente para o pai em 28 de dezembro de 1782, pouco antes de uma apresentação, Mozart descreve os três concertos para piano nos quais trabalhava, o K. 413, em Fá maior; o K. 414, em Lá maior (concluído antes do K. 413); e o K. 415, em Dó maior:

 

“Estes concertos constituem um justo balanço entre o muito fácil e o muito difícil; eles são extremamente brilhantes, agradáveis ao ouvido e naturais sem cair na insipidez. Há passagens aqui e ali das quais apenas os conhecedores tirarão proveito; mas elas estão escritas de tal modo que os menos instruídos não deixem de ficar satisfeitos, mesmo sem saber o motivo.”

 

Em que consistiria essa ciência dissimulada? Arnold Schoenberg detalha, em 1931, o que aprendeu com o colega: a desigualdade no tamanho das frases; a organização de caracteres heterogêneos numa unidade temática; o desvio da construção por números pares do tema e suas partes; a arte de formar ideias subsidiárias; a arte da introdução e da transição. Charles Rosen ressalta a regularidade melódica do primeiro movimento do K. 414: Mozart mantém a frase de oito compassos, e a segunda frase de todas as melodias começa do mesmo modo que a primeira. Apenas no ritornello, há quatro melodias longas, uma delas jamais ouvida de novo, além de um tema final, e o piano acrescenta mais duas. Toda a seção de desenvolvimento se baseia em material novo, sem remeter-se à exposição. Por outro lado, as transições são elaboradas, e o peso de cada melodia, bem como seu lugar na sucessão, cuidadosamente calculados. Mozart renuncia aqui, como não o fez em nenhum outro primeiro movimento de concerto, aos efeitos da surpresa dramática e às tensões resolvidas.

 

Carlos Palombini
Musicólogo, professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.

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