Rondó para piano em Lá maior, K. 386

Wolfgang Amadeus MOZART

(1782)

Instrumentação: 2 oboés, 2 trompas, cordas.

Primeira apresentação com a Filarmônica: 17 de maio de 2018

 

Os concertos para solistas eram muito apreciados no século XVIII. Nada mais natural que Mozart, desde criança um célebre virtuose, cedo cultivasse o gênero. E, ao longo de toda sua carreira compôs – além dos 27 para piano, seu instrumento – vários outros concertos para diversos instrumentos e numerosas obras concertantes para mais de um solista. Essa impressionante produção constitui, ao lado das óperas, o melhor de sua expressão pessoal. A aproximação com a ópera torna-se inevitável, pois os belos concertos de Mozart trazem as mesmas qualidades que o fazem um genial compositor de cena. Demonstram brilhantemente sua capacidade inigualável de realizar a representação dramática também na música instrumental, com os instrumentos solistas mantendo a mesma vivacidade de ação encontrada em seus personagens operísticos. As melodias de caráter essencialmente vocal associam-se, facilmente, ao discurso teatral e, por outro lado, a força retórica das intervenções orquestrais deixa claro que Mozart concebe o Concerto como a integração/oposição, em pé de igualdade, do solista e da orquestra. O virtuosismo – típico do gênero concertante – submete-se assim ao notável senso dramático do compositor.

 

Entretanto, na maioria das vezes, seus concertos foram obras circunstanciais, compostos sob a pressão de exigências impostas pelo mecenato aristocrático ou pela alta burguesia frequentadora de teatros. Mozart manteve, como regra geral, a tradicional estrutura tripartida (Forma sonata, Lento e Rondó) característica do gênero. Mas, a partir dos dezessete anos, quando então compõe seus primeiros concertos realmente originais, criará uma proposta formal distinta e particular para cada obra. Ele evita a falta de tensão e os maneirismos típicos do caráter galante da época, propondo novos problemas formais, para os quais encontra inesperadas soluções. É curioso que tenha se servido de um gênero tão popular para confidenciar seus sentimentos mais íntimos e realizar audaciosas inovações – os últimos concertos possuem uma beleza transcendente; obras-primas definitivas, ímpares e profundamente humanas.

 

O Rondó K. 386, composto em 1782, logo depois do compositor ter-se fixado em Viena, foi frequentemente considerado um final opcional para o Concerto K. 414, escrito na mesma época e na mesma tonalidade. Hoje, tornou-se peça independente, após uma estória longa e curiosa. Em 1799, quando Constança Mozart, viúva do compositor, vendeu o manuscrito do Rondó, esse já estava sem as últimas páginas. Em 1838, Cipriani Potter, mesmo sem ter acesso ao final perdido, elaborou uma transcrição completa da obra para piano solo. Essa sua versão (fundamentada em páginas dispersas do manuscrito mozartiano) serviu de base para duas reconstruções do Rondó: a de Alfred Einstein, em 1936; e a do pianista Paul Badura-Skoda com o maestro Charles Mackerras, publicada em 1962. Finalmente, a edição recente de Alan Tyson usa a conclusão original de Mozart, descoberta na Biblioteca Britânica, em 1980.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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