Anton Webern
Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, cordas.
A Passacaglia, op. 1, marca a conclusão dos estudos musicais de Webern sob a supervisão direta de Schoenberg. Nessa obra, o tema parece evocar os passos de uma caminhada que, ao longo da peça, mostra o compositor tributário da tradição romântica, em especial a que remonta a Mahler e Brahms. No entanto, essa tradição se apresenta, aqui, sob a forte influência do diálogo já estabelecido por Schoenberg e do expressionismo schoenberguiano, presente em obras do mestre, tais como a Primeira Sinfonia de Câmara e o Segundo Quarteto de Cordas. A exemplo do professor, que falava abertamente de sua fecunda relação dialógica com a tradição, Webern assimila e incorpora, mas também responde e transforma.
A Passacaglia surpreende o ouvinte, quando confrontada com a evolução da obra weberniana. A ela não são estranhos o arroubo e as passagens eloquentes, de orquestração mahleriana. Passagens desse tipo ficam muito em evidência nos pontos culminantes das seções inicial e final da obra. Tais seções exploram os limites da tonalidade de ré menor, diga-se, de passagem, uma tonalidade especialmente cara a obras da maturidade de Mahler. A seção central, contrastante, tem algo do pathos brahmsiano que, vale dizer, percorre toda a Passacaglia e aflora de modo especial no cantabile de inúmeros gestos melódicos, entregues, sobretudo, aos instrumentos de sopro.
Mas a filiação pós-romântica da Passacaglia não exclui elementos composicionais caros ao estilo que marcaria a evolução da linguagem composicional de Webern. O próprio tema, anunciado pelas cordas, em pizzicato, valoriza um elemento essencial da poética weberniana: o silêncio, carregado de expressividade e de expectativa, que valoriza cada novo som apresentado em um movimento lento e uniforme. Na estruturação melódica desse tema, de apenas oito notas – a exemplo de inúmeros temas da passacalhas barrocas – chama atenção, primeiramente, a estruturação melódica, que parte da tônica (ré) e a ela retorna, após anunciar, através de um lá bemol, estranho à tonalidade de ré menor, que estamos, desde já, diante de uma tonalidade expandida. Outra importante característica dessa melodia é, à exceção da tônica, a não repetição de notas, princípio composicional caro aos compositores da Segunda Escola de Viena. Nesse sentido, a própria escolha da passacalha, que tem como base a técnica da variação, parece consequente, pelo discurso que evita o retorno.
Podemos constatar ainda que, já nas primeiras variações, Webern acrescenta ao tema, como a um cantus firmus, outros materiais melódicos, e o faz com o domínio do contraponto e da concisão de escritura que prefigura aspectos distintivos de outras obras suas. Ao acrescentarmos que, não raro, uma orquestração de meias tintas, caracterizada pela limpidez e transparência, veicula a ideia musical através do essencial, temos outra evidência de que já estamos diante do compositor que não cessaria de nos surpreender. Ao ouvinte, fica o convite para a fruição da Passacaglia e das demais obras às quais Anton Webern imprimiu sua personalíssima linguagem composicional.
Oiliam Lanna
Compositor, professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.